Era preciso voltar a ser apenas mais um. Mais um time no bolo, mais um nome na lista, mais um ator no filme que todo mundo quer ver. Sem essa história toda de jejum, pressão, sonho, emoção, nervosismo, o peso de carregar um país inteiro nas costas após 16 anos fora da brincadeira. Para curtir a festa, era preciso se misturar aos convidados. E o convite tão desejado vinha com um canhotinho anexo: a exigência da vitória neste domingo. Feito. No primeiro jogo olímpico do basquete masculino brasileiro desde 1996, a seleção demorou um pouco para se despir da tensão e quase viu todo o esforço ruir no fim, mas conseguiu. Bateu a Austrália no sufoco por 75 a 71 e, em vez de se preocupar com a expectativa do retorno, já pode se concentrar no restante da caminhada. Na novíssima arena de Londres, que vista de fora parece um bolo confeitado, a primeira fatia teve sabor de alívio.
Não que a estreia tenha sido um mar de rosas. O início tenso mergulhou o jogo numa montanha-russa, e os altos e baixos deixaram apreensiva a torcida que se espalhava com camisas amarelas e bandeiras pelas arquibancadas. No fim, drama com a vantagem caindo para dois pontos a 30 segundos da última sirene, e alívio com o placar final. Ao contrário do elegante terno do Pré-Olímpico em Mar del Plata, quando vestiu terno preto, Rubén Magnano voltou de camisa polo verde a um terreno que conhece bem. Ouro em Atenas-2004 com a Argentina, o técnico gritou, reclamou, brigou, orientou, xingou - a receita de sempre, que na estreia acabou dando certo.
- O mais importante foi a compostura do time. Pensei que os australianos estavam jogando boliche, faziam strike toda hora. Nós simbolizamos uma nação, e quando arremessamos, estamos levando tudo isso nas costas - afirmou o pivô Nenê após a partida.
O cestinha brasileiro foi Leandrinho, que cometeu dois erros no fim do jogo e quase complicou as coisas para a seleção, mas terminou com 16 pontos. Marcelinho Huertas foi o melhor em quadra, com 15 pontos e 11 assistências. Anderson Varejão contribuiu com 12 pontos, e o cestinha do jogo foi o australiano Patrick Mills, com 20.
O Brasil volta à quadra na terça-feira, às 12h45m, para enfrentar a Grã-Bretanha diante de um ginásio certamente lotado. O grupo B ainda tem Rússia, China e Espanha. No A, estão Estados Unidos, Argentina, França, Nigéria, Lituânia e Tunísia. Os quatro primeiros de cada chave avançam às quartas de final.
Se qualquer estreia já é tensa, cinco calouros olímpicos com o peso do jejum multiplicam a ansiedade. Quando Huertas, Leandrinho, Alex, Varejão e Splitter piscaram o olho, já perdiam por 6 a 0. Foram mais de dois minutos sem pontuar, até Leandrinho abrir os trabalhos. Mais calma, a Austrália segurava a vantagem na casa dos cinco pontos. E Magnano começou a rodar o time. Nenê, Larry, Marquinhos, Giovannoni... os reservas foram entrando e não deixaram a diferença abrir. Ao contrário: com uma linda cesta de Marcelinho Machado nos últimos segundos, o período inicial fechou com 20 a 19 para o time da Oceania.
Veio o segundo quarto, mas a liderança no placar teimava em ficar do lado verde - o Brasil jogava de branco. De tanto o Brasil tentar, uma hora aconteceu, e com o quinteto titular na ativa outra vez. A 6m40s do intervalo, um tapinha de Varejão após um lance livre finalmente colocou a seleção à frente: 25 a 24. Logo depois, Huertas abriu três pontos, e Splitter fez pular para seis.
Parecia o momento de mandar o nervosismo a escanteio e deslanchar, mas havia um punhado de cangurus teimosos do outro lado da quadra. Com o ataque australiano nas costas, o armador Patrick Mills acertou uma incrível cesta de três e ainda sofreu a falta de Alex. Lá estava de novo o equilíbrio, que se arrastou até a saída para o vestiário. Ao menos o Brasil se segurava à frente: 36 a 35.
Na volta do intervalo, Magnano mandou Nenê no lugar de Varejão. E deu certo. Com uma bela sequência de três cestas, sem levar nenhuma, a equipe abriu sete. Enquanto o técnico Brett Brown pedia tempo para conter a sangria, Splitter cerrava os punhos no meio da quadra. Era o melhor momento do Brasil no jogo.
A vantagem chegou a pular para 48 a 37, e o Brasil foi tirando das costas o peso da estreia. O Brasil, mas não Rubén Magnano. Mesmo com a vantagem confortável, o técnico argentino urrava à beira da quadra, corrigia erros, reclamava com a arbitragem e com os atletas. Ele tinha razão, porque a Austrália não estava morta. Cortou a diferença para cinco pontos e obrigou o treinador a chamar o grupo para uma conversa a dois minutos do fim do terceiro período. Na virada para os dez minutos finais, 56 a 49.
Com Leandrinho e Huertas puxando o ataque, Magnano continuou revezando Nenê, Splitter e Varejão embaixo da cesta. Sempre com dois jogadores fortes embaixo, a seleção conseguiu segurar a pressão australiana. A vantagem baixou para quatro pontos e animou a torcida a dois minutos do fim. Com 29s no relógio, dois pontos. O drama deu as caras, mas o time manteve a cabeça no lugar para evitar o colapso. Trocando o espetáculo pela consistência, o Brasil precisou de duas horas para aliviar 16 anos de pressão.
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